Sunday, October 28, 2012

Xintoísmo - filosofia de vida

shintō
É um conceito muito interessante e muito difícil de ser explicado. Oficialmente, é uma religião e a principal do Japão. Mas é muito mais que isso: é uma fé, uma filosofia de vida. Para os japoneses é um costume, uma tradição.

O xintoísmo nasceu aqui no Japão há milhares de anos, antes mesmo do budismo chegar aqui da China no século VI. E se você perguntar o que é xintoísmo para 20 japoneses, provavelmente terá 20 respostas diferentes.

O conceito é tão vago e ao mesmo tempo tão intrínseco da cultura japonesa que é muito difícil definir e separar exatamente um do outro. Faz parte de todo japonês. Até dos cristãos ou ateus. Chamar de religião é limitar o significado.

O xintoísmo se confunde muito com o budismo, e acho que a melhor diferenciação que eu ouvi foi: o budismo lida com a morte e o xintoísmo lida com a vida. Não é a toa que os rituais de passagens dos japoneses geralmente são:
- quando nasce um bebê, a família vai ao santuário xintoísta para abençoa-lo;
- se casam numa igreja cristã ou num santuário xintoísta;
- funerais são feitos em um templo budista.

Uma maneira fácil de saber se você está num santuário, é ver se existe um torii na entrada.


Já dá para começar a entender a complexidade da coisa. Em nenhum outro lugar do mundo eu vi tamanha mistura entre diferentes "religiões".
torii na escalada do Monte Fuji

Xintoísmo significa "caminho dos deuses" e possui as seguintes características:
- Adoração a "divindades";
- Politeísta;
- 3 "nãos": não tem um fundador/criador, não tem uma escritura e não tem uma doutrina a ser seguida.

Para entender o xintoísmo é preciso entender o que são os deuses ou divindades para os japoneses. Eles consideram como deuses/espíritos divinos o poder divino e misterioso de todas as coisas vivas, então quase tudo pode ser uma divindade. Montanhas (ex: Monte Fuji), mares, florestas, rios, ventos, etc. Tudo isso tem vida, e um poder que o homem não controla. Todos são deuses.

E melhor, nós humanos também podemos ser adorados e podemos virar deuses depois da morte. Os japoneses acreditam que nossos ancestrais nos protegem. E para isso, continuam adorando e cuidando deles como guardiões, como parte da família.

shinto priest vestido para cerimônia
O xintoísmo é super flexível. Ninguém te fala o que você tem que fazer ou não, o que é certo e o que é errado. O padre (que é uma pessoa normal, que vive uma vida normal, exatamente como qualquer um de nós, pagam impostos, etc) disse que "ninguém precisa te dizer que matar outra pessoa é errado para que você saiba que é". E, ironicamente, no nosso lado do mundo tem gente que repete isso todos os dias e continuamos nos matando. Em compensação aqui, ninguém fala, e ninguém mata ninguém!

Os santuários xintoístas nada mais são do que a "casa dos deuses". Existem 80.000 registrados no Japão, mas acham que há mais de 100.000 no total, incluindo os pequenos e independentes. Na verdade, qualquer um pode ter um santuário, até mesmo dentro de casa, então realmente o número deve ser imenso. Minha avó tinha um santuário dentro do quarto dela e todos os dias ascendia um incenso e fazia seu agradecimento, sua reza.

torii na entrada do Meiji Jingu
O xintoísmo também vem acompanhando as mudanças do Japão, abraçando a modernidade, mudando junto com as pessoas. Por exemplo, o Meiji Jingu (um dos maiores e mais famosos santuários em Tóquio e um destino turístico imperdível) foi criado em 1920 para entesourar o Emperador e a Imperatriz Meiji. Ele foi o responsável por revolucionar, reformar e renovar o Japão, e em grande parte por fazer do Japão a pontência que é hoje, social e economicamente.

Entender melhor o xintoísmo me ajudou a entender também a maneira como os japoneses lidam, por exemplo, com tsunamis, terremotos, e até com a morte. Eles já foram atingidos milhares de vezes e sabem que vai acontecer outra vez. Acho que é justamente por encarar tudo isso como parte da vida, como manifestação dos deuses, é que eles aceitam estes fatos sem maiores dramas. A vida como ela é.

Também acho que é justamente por este respeito maior por estes deuses "naturais" e vivos, é que o Japão tem 70% do seu território coberto por bosques e florestas. São representações das divindades. Os japoneses estão preocupados em como lidamos com a natureza, com o impacto que temos no meio-ambiente. Na apresentação sobre xintoísmo mostraram um vídeo que trazia um texto/poema e dizia: "uma folha cai no chão e vira terra, pra virar árvore e folha outra vez". Tão simples, mas mesmo assim parece que tanta gente ainda não sabe né?

Outra coisa que ficou clara para mim é que nem tudo no mundo precisa de uma explicação racional para existir. Tem coisas que simplesmente existem. Ponto. O xintoísmo é um bom exemplo disso. Existe há milhares de anos e super presente no cotidiano dos japoneses.

Tudo isso me fez pensar em como seria o mundo se, o ao invés dos valores e das morais cristãs por exemplo, tivéssemos o xintoísmo como filosofia de vida?




Wednesday, October 24, 2012

People have the power!!!

Antes de continuar lendo este post, coloque play no vídeo abaixo, que é o tema desta semana. Foi assim que eu me senti. Meio besta, mas foi.














Esta foto da direita é do nosso condomínio (laranja). A árvore grande fica bem no meio dos dois blocos de apartamentos, na entrada.

A primeira surpresa, na semana passada, foi receber esta carta da administração do condomínio:
A carta explica que no final de setembro ou outubro vão podar a árvore, como acontece todos os anos, para garantir a saúde dela, a boa aparência e a segurança dos moradores. Geralmente cortam os galhos e reduzem as folhas a apenas 20% de como está atualmente.

Este ano, para garantir a satisfação de todos os moradores enviaram o questionário para que a gente opinasse se queríamos:

1. Que a poda acontecesse normalmente;
2. Que a poda não acontecesse;
3. Que a poda acontecesse mas que mantivessem mais galhos que o plano inicial.

Votamos pela terceira opção, levando em consideração a segurança de todo mundo.

Logo na semana seguinte, recebemos esta outra carta com o resultado da votação dos moradores:

- 3 votaram por fazer a poda normalmente;
- 7 votaram por não podar;
- 5 votaram para que podassem menos do que o plano original.

A administração decidiu por podar deixando 80% dos galhos e folhas, ao invés dos 20% previstos inicialmente.

E claro, avisam o dia em que a poda acontecerá e quais as varandas que serão afetadas.

E foi, por algo tão simples, que eu passei alguns dias cantando: people have the power!!!

E fiquei pensando: quando será que as podas no Brasil serão feitas levando em consideração o que as pessoas que moram por perto pensam?

Um dia, quem sabe?


Wednesday, October 3, 2012

Machi-nori: "passeio pela cidade"


No último feriado fomos para a cidade de Kanazawa, que é conhecida como a mini-Kyoto.

É uma cidade que tem um projeto chamado Machi-nori, ou algo como "passeio pela cidade". Mas a idéia é um pouco diferente de um simples aluguel de bicicleta.

São 18 pontos de aluguel da Machi-nori espalhados pela cidade. Todos estão super bem localizados, próximo a algum ponto interessante: um museu, o castelo, um mercado, etc.

O sistema funciona assim: você paga ¥200 (R$ 5,00, que corresponde a uma passagem de ônibus), recebe uma senha que vale para o dia e que permite liberar uma bicicleta da base. Quando você retira a bicicleta, você pode usá-la por 30 minutos. O pagamento pode ser em dinheiro, cartão de crédito ou com o "bilhete único".

Se você passar deste tempo, cada 30 minutos usados custam outros ¥200. Mas a idéia é que você nunca pague mais do que os ¥200 iniciais. Para isso, você deve parar em algum dos 18 pontos da Machi-nori dentro dos 30'.

Logo em seguida, você pode ir até a máquina e colocar a senha que você recebeu no primeiro aluguel, e retirar outra bicicleta, que será "grátis" por mais 30 minutos.

Agora, como tudo na minha vida vem coberto de emoção, a gente só soube como funcionava o sistema bem depois de começar a usar. Simplesmente alugamos as bicicletas e fomos passear. Três horas depois, recebi uma ligação de alguém do Machi-nori. Depois de enrolar muito meu japonês, entendi que a gente já tinha gasto ¥1,200 (R$ 30) por bicicleta (éramos 3). O passeio barato estava ficando caro...

Fomos correndo para o ponto mais perto de onde estávamos, e o cara com quem eu tinha falado no telefone estava lá. Ele me explicou de novo como funcionava, pedimos desculpa por termos "roubado" três bicicletas por tanto tempo. E, pasmem, ele falou que só ia cobrar os ¥200 iniciais, já que a gente não tinha entendido como o sistema funcionada. Só no Japão!!!!

Este cara nos contou que o Machi-nori tem umas 170 bicicletas espalhadas entre os 18 pontos. E que a média por dia é de uns 300 aluguéis, mas que no feriado o número chega a 1200 por dia!!!! Ou seja: 1200 pessoas usando as mesmas 170 bicicletas!

Um caminhãozinho do Machi-nori fica transportando bicicletas de pontos onde têm muitas para onde está faltando. Mesmo assim, no feriado passamos por duas estações e estavam vazias. Tivemos que caminhar até a terceira para achar bicicletas. Mas não dá pra julgar o sistema pelo feriado, né?

Foi uma delícia! Adoramos o passeio, o Machi-nori e o serviço, que como sempre no Japão, NUNCA deixa a desejar. Não tem melhor maneira de conhecer uma cidade que de bicicleta!